PORTUGAL FEZ TUDO ERRADO, MAS CORREU TUDO BEM.Esta é a conclusão de um relatório internacional recente sobre o desenvolvimentoportuguês.Havia até agora no mundo países desenvolvidos, subdesenvolvidos e em vias dedesenvolvimento. Mas acabou de ser criada uma nova categoria: os países que não deveriam ser desenvolvidos. Trata-se de regiões que fizeram tudo o que podiampara estragar o seu processo de desenvolvimento e... falharam.Hoje são países industrializados e modernos, mas por engano. Segundo a fundaçãoeuropeia que criou esta nova classificação, no estudo a que o DN teve acesso,este grupo de países especiais é muito pequeno. Alias, tem mesmo um sóelemento: Portugal.A Fundação Richard Zwentzerg (FRZ), iniciou há uns meses um grande trabalhosobre a estratégia económica de longo prazo. Tomando a evolução global dasegunda metade do século XX, os cientistas da FRZ procuraram isolar as razõesque motivavam os grandes falhanços no progresso. O estudo, naturalmente,pensava centrar-se nos países em decadência. Mas, para grande surpresa dosinvestigadores, os mais altos índices de aselhice económica foram detectados emPortugal, um dos países que tinha também uma das mais elevadas dinâmicas deprogresso.Desconcertados, acabam de publicar, à margem da cimeira de Lisboa, os seusresultados num pequeno relatório bem eloquente, intitulado: 'O País Que Não Devia Ser Desenvolvido'O Sucesso Inesperado dos Incríveis Erros Económicos Portugueses.Num primeiro capítulo, o relatório documenta o notável comportamento da economia portuguesa no último meio século. De 1950 a 2000, o nosso produto aumentou quase nove vezes, com uma taxa de crescimento anual sustentada de 4,5 porcento durante os longos 50 anos. Esse crescimento aproximou-nos decisivamente do nível dos países ricos. Em 1950, o produto de Portugal tinhauma posição a cerca de 35 por cento do valor médio das regiões desenvolvidas.Hoje ultrapassa o dobro desse nível, estando acima dos 70 por cento, apesar doforte crescimento que essas economias também registaram no período. Na generalidade dos outros indicadores de bem-estar, a evolução portuguesa foitambém notável.Temos mais médicos por habitante que muitos países ricos. A mortalidade infantilcaiu de quase 90 por mil, em 1960, para menos de sete por mil agora. A taxa deanalfabetismo reduziu-se de 40 por cento em 1950 para dez por cento.Actualmente a esperança de vida ao nascer dos portugueses aumentou 18 anos nomesmo período. O relatório refere que esta evolução é uma das maisimpressionantes, sustentadas e sólidas do século XX. Ela só foi ultrapassadapor um punhado de países que, para mais, estão agora alguns deles em gravesdificuldades no Extremo Oriente. Portugal, pelo contrário, é membro activo e empenhado da União Europeia, com grande estabilidade democrática e solidezinstitucional. Segundo a FRZ, o nosso país tem um dos processos dedesenvolvimento mais bem sucedidos no mundo actual.Mas, quando se olha para a estratégia económica portuguesa, tudo parece ser aocontrário do que deveria ser. Segundo a Fundação, Portugal, com as políticas eorientações que seguiu nas últimas décadas, deveria agora estar na miséria. O nosso país não pode ser desenvolvido. Quais são os factores que, segundo osespecialistas, criam um desenvolvimento equilibrado e saudável? Um dos maisimportantes é, sem dúvida, a educação.Ora Portugal tem, segundo o relatório, um sistema educativo horrível e que tempiorado com o tempo. O nível de formação dos portugueses é ridículo quandocomparado com qualquer outro país sério. As crianças portuguesas revelam níveisde conhecimentos semelhantes às de países miseráveis. Há falta gritante dequadros qualificados. É evidente que, com educação como esta, Portugal não podeter tido o desenvolvimento que teve. Um outro elemento muito referido nasanálises é a liberdade económica e a estabilidade institucional. Portugal tem,tradicionalmente, um dos sectores públicos mais paternalista, interventor einstável do mundo, segundo a FRZ. Desde o 'condicionamento industrial'salazarista às negociações com grupos económicos actuais, as empresasportuguesas vivem num clima de intensa discricionariedade, manipulação,burocracia e clientelismo. O sistema fiscal português é injusto, paralisante eestá em crescimento explosivo. A regulamentação económica é arbitrária,omnipresente e bloqueante.É óbvio que, com autoridades económicas deste calibre, diz o relatório, ocrescimento português tinha de estar irremediavelmente condenado desde oinício. O estudo da Fundação continua o rol de aselhices, deficiências eincapacidades da nossa economia. Da falta de sentido de mercado dos empresáriose gestores à reduzida integração externa das empresas; da paralisia do sistemajudicial à inoperância financeira; do sistema arcaico de distribuição àausência de investigação em tecnologias. Em todos estes casos, e em muitos outros, a conclusão óbvia é sempre a mesma:Portugal não pode ser um país em forte desenvolvimento.Os cientistas da Fundação não escondem a sua perplexidade.
Citando as próprias palavras do texto:
'Como conseguiu Portugal, no meio de tanta asneira, tolice e desperdício, um talnível de desenvolvimento?'
A resposta, simples, é que ninguém sabe.
Há anos que os intelectuais portugueses têm dito que o País está a ir por maucaminho. E estão carregados de razão. Só que, todos os anos, o País cresce maisum bocadinho. A única explicação adiantada pelo texto, mas que não ésatisfatória, é a incrível capacidade de improvisação, engenho e'desenrascanço' do povo português. No meio de condições que, para qualqueroutra sociedade, criariam o desastre, os portugueses conseguem desembrulhar-sede forma incrível e inexplicável.
O texto termina dizendo:
'O que este povo não faria se tivesse uma estratégia certa?'.
João César das Neves - Economista